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Tatiane Liberato - Publicado em 08-05-2018 13:00
Pesquisadores da UFSCar desenvolvem biomaterial para implantes oculares
Prótese ocular desenvolvida no LaMaV (Foto: Tatiane Liberato - AIn-UFSCar)
Prótese ocular desenvolvida no LaMaV (Foto: Tatiane Liberato - AIn-UFSCar)
Um material vitrocerâmico capaz de devolver o volume perdido do globo ocular de pessoas portadoras de doenças como tumor, trauma ou glaucoma é uma tecnologia recente desenvolvida por pesquisadores da UFSCar e da Universidade Estadual Paulista (Unesp). A patente, intitulada "Implante para repor volume em cavidades anoftálmicas em humanos ou animais, processo de obtenção do mesmo, dispositivo para fresamento de implantes e seu uso", possibilitará a realização de cirurgias preservando maior quantidade de tecido ocular necessário para o ser humano. A tecnologia foi desenvolvida no Laboratório de Materiais Vítreos (LaMaV) da UFSCar pelos docentes Oscar Peitl Filho e Edgar Dutra Zanotto, do Departamento de Engenharia de Materiais (DEMa), e pelas pesquisadoras da Unesp, Silvana Artioli Schellini e Simone Milani Brandão.

Quando o conteúdo ocular é retirado de uma pessoa - por motivos de doença e dores -, sua visão é completamente perdida. Assim, não é possível realizar intervenções para que o paciente volte a enxergar, mas é necessário substituir o volume do globo ocular afetado por um implante, preservando o convívio social do paciente sem o constrangimento de outras pessoas perceberem a cirurgia ou o uso da prótese. No caso da nova tecnologia, uma de suas principais características é ser um material integrável, ou seja, capaz de criar adesão ao tecido macio do paciente e, com isso, oferece menos risco de perda e deslocamento do implante intraocular. A adesão de uma cerâmica cristalina sintética aos tecidos moles (cartilaginosos) ainda não era possível até o surgimento desse material denominado "biosilicato".

A patente começou a ser pensada há cerca de oito anos, quando o grupo de pesquisa do Laboratório de Materiais Vítreos da UFSCar foi procurado pela oftalmologista da Unesp, Simone Milani Brandão. A parceria foi consolidada em virtude da referência do laboratório no desenvolvimento de biomateriais com elevada bioatividade, o que possibilita sua adesão aos tecidos macios/cartilaginosos. Na ocasião, os cientistas desenvolveram geometria cônica para prótese ocular com dimensão proporcional ao globo ocular de um coelho, diferente do que existe atualmente, aplicando testes em 60 animais. Os coelhos foram acompanhados por cerca de 180 dias para a verificação de adesão, estudo morfológico e celular da face com o implante, estudo sistêmico com a coleta de sangue durante os ensaios, além dos riscos de infecção, inflamação e análises patológicas. Com isso, a pesquisa comprovou que o biomaterial adere aos tecidos macios, sem a ocorrência de extrusões ou problemas sistêmicos.

A partir dos resultados de sua dissertação de mestrado, Simone Brandão iniciou o doutorado inspirando os cientistas do LaMaV a desenvolverem uma prótese ocular para reposição do volume do globo ocular em face da retirada de tumores. A proposta ambiciosa em associar em uma prótese melhor adaptação cirúrgica, geometria compatível com o globo ocular humano (cônica ao invés de esférica), singular adesão aos tecidos oculares, além de empregar tecnologia exclusivamente nacional, acabou por resultar em um design completamente inovador no âmbito mundial, sugerindo nova abordagem na área da Oftalmologia. Entre o tempo da confecção da prótese, a realização do procedimento cirúrgico, com coleta de pacientes, submissão em conselho de ética e aplicação dos testes foram cerca de dois anos de pesquisa, além dos seis meses iniciais para a definição dos moldes, e mais um ano para a confecção e produção da primeira prótese com dimensões adequadas ao olho humano. Os testes foram aplicados na clínica oftalmológica do hospital universitário da Unesp, em Botucatu, e da Universidade de São Paulo (USP), na capital paulista, em 40 pacientes cegos, com o implante de uma prótese sólida e cônica, de geometria e peso proporcionais, e canais que servem de melhor ancoragem e adesão de tecidos, comprovando totalmente sua eficácia.

Segundo o pesquisador responsável pela tecnologia, Oscar Peitl Filho, atualmente a prótese mais utilizada para a substituição de olhos humanos é esférica, confeccionada com material plástico poroso (importado), cuja adesão permite que parte do tecido cresça dentro dos "poros", fixando-a no corpo. As próteses oculares inertes e plásticas que não têm resposta bioativa, se mantêm na posição, criando uma cápsula fibrosa. Assim, o pesquisador explica que o organismo tem duas maneiras de responder a esse procedimento: "necrosando o tecido daquela região - quando entende que o material é uma ameaça ao corpo humano - ou simplesmente encapsulando-o - quando entende que o material não faz mal e pode ser absorvido".

Para a nova tecnologia, os pesquisadores desenvolveram canais ao longo da prótese cônica, com o objetivo de diminuir o peso, para obter melhor resposta biológica e aumentar a área de contato do implante com o hospedeiro e, assim, a adesividade entre eles. A marca mundial atual que produz esfera plástica porosa prevê um custo em torno de 6 mil reais para a fabricação de cada prótese ocular. O Sistema Único de Saúde (SUS) não tem comprado e aplicado a prótese nos pacientes em função dos elevados custos. Em razão disso, atualmente os pacientes que necessitam do procedimento estão sem opção cirúrgica através do SUS. Os cientistas tinham grande expectativa com relação ao desenvolvimento da prótese, mas os resultados superaram a viabilidade porque sua aplicação não apresentou nenhum problema técnico. Além disso, Peitl Filho garante que o design da prótese, com canais e geometria que contribuem para que o organismo não a recuse, foi o verdadeiro diferencial da tecnologia, sendo desenhado a seis mãos. "Nós não tínhamos ideia do que íamos desenvolver quando começamos a falar em olhos humanos, mas tínhamos a necessidade de um design diferenciado e essa foi a nossa proposta. Buscar soluções com equipe multidisciplinar tornou o nosso resultado fantástico, pois um profissional isolado não resolve problemas sozinho", defende ele.

Segundo Peitl Filho, os pesquisadores realizaram tudo o que poderia ser desenvolvido no escopo acadêmico e atualmente aguardam o interesse de empresas que produzam e disponibilizem a tecnologia em escala industrial, principalmente para os pacientes do SUS, sendo também uma opção para o sistema de Saúde privada com diferencial inovador e sem concorrentes no mercado. Em virtude do objetivo de minimizar impactos de um problema humano - a cegueira -, o desenvolvimento da tecnologia envolve aspectos sociais, pois a aspiração dos pesquisadores é utilizar conhecimento acadêmico em benefício da sociedade. "A nossa maior motivação é melhorar a vida de pessoas que nos procuram com esperanças. Por isso, mesmo que as nossas tecnologias não resolvam, nós tentamos fazer o nosso melhor possível sempre", conclui o professor da UFSCar.

Para saber mais sobre as tecnologias da UFSCar, acesse o site da Agência de Inovação da Universidade.