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Gisele Bicaletto - Publicado em 07-06-2018 13:00
Fóssil brasileiro ajuda a entender a evolução de dinossauro gigante
Reconstrução do dinossauro estudado em seu habitat (Arte: Júlio Lacerda)
Reconstrução do dinossauro estudado em seu habitat (Arte: Júlio Lacerda)
Um grupo de pesquisadores liderado por integrantes da UFSCar e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) encontrou, no Ceará, na região Nordeste do Brasil, um osso fossilizado de um dinossauro da família dos espinossauros. A descoberta ajudou os paleontólogos a identificarem mais uma peça no quebra-cabeça da evolução desse grupo de dinossauros, que tem os maiores exemplares já vistos na história, e também indicou que algumas adaptações, já descritas para um superpredador extinto do Saara, estavam presentes nesse grupo de dinossauros há mais tempo do que se imaginava até então.

Os espinossauros são dinossauros carnívoros de grande porte que viveram durante o Período Cretáceo, entre 145 e 83 milhões de anos atrás. Tornaram-se muito populares entre o público geral a partir do filme "Jurassic Park III", em que Spinosaurus, o gigante com vela, derrota o famoso Tyrannosaurus rex. Fósseis de espinossauros são raros no mundo e, devido a isso, muitas questões sobre sua biologia, ecologia e evolução ainda são temas relevantes na Paleontologia mundial. 

Uma das questões mais intrigantes entre os pesquisadores refere-se ao hábito de vida desse grupo de dinossauros. Vários aspectos da anatomia desses animais, como o formato do crânio e dos dentes, por exemplo, indicam que, apesar de gigantes - algumas espécies com mais de 13 metros de comprimento -, eles se alimentavam essencialmente de peixes. Em 2014, vários autores juntaram esqueletos localizados no Marrocos, Norte da África, e propuseram um novo modelo para o Spinosaurus. Esse trabalho descobriu uma curiosa adaptação nos ossos de Spinosaurus, a espécie mais tardia do grupo - densidade acentuada nos ossos longos, característica comumente observada em animais com hábitos de vida semiaquáticos. Foi a primeira vez que essa adaptação foi descrita no esqueleto de uma espécie de dinossauro. De acordo com os pesquisadores, a surpresa foi grande, pois, em geral, a tendência evolutiva dos dinossauros carnívoros era desenvolverem ossos cada vez mais leves, para auxiliar na locomoção e caça.

Agora, a pesquisa realizada pela UFSCar e Unicamp, que também contou com parceiros internacionais, traz uma novidade importante mostrando que essa adaptação óssea ao estilo de vida semiaquático já estava presente em dinossauros da família dos espinossaurídeos, que habitaram o Nordeste do Brasil ainda no início do Período Cretáceo. "O espinossaurídeo deste trabalho é um parente bem próximo do marroquino, descrito em 2014, só que é, pelo menos, 10 milhões de anos mais antigo", afirma Tito Aureliano, professor da Unicamp, pesquisador associado do Laboratório de Paleoecologia e Paleoicnologia (LPP) da UFSCar e um dos líderes da pesquisa.

No estudo atual foi descoberto, portanto, que os ossos de uma espécie de espinossauro cearense já eram densos, como os de pinguins, leões-marinhos e outros animais que passam parte da vida na água, muito antes do Spinosaurus aegypticus, do Marrocos, descrito em 2014. De acordo com os cientistas, os ossos mais densos ajudam organismos que vivem na interface água/terra a mergulharem, da mesma forma que o cinto de chumbo (lastro) dos mergulhadores os auxilia a se manterem embaixo d’água. "Pode ser que os espinossauros brasileiros tenham sido os primeiros a adotarem esse estilo de vida. Agora é preciso investigar em outras espécies ainda mais antigas", defende Aureliano. 

Aline Ghilardi é pós-doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Recursos Naturais (PPGERN) da UFSCar, pesquisadora do LPP, que integra o Departamento de Ecologia e Biologia Evolutiva (DEBE) da Instituição, e também é líder da pesquisa. Ela destaca que os espinossauros foram na contramão da evolução dos dinossauros. "Enquanto a maioria evoluiu para formas com esqueletos mais leves, até o extremo observado em aves, os espinossauros desenvolveram uma forma de deixar o esqueleto mais pesado. Isso os ajudava a ocupar um nicho diferenciado", afirma ela.

Outra novidade é que os espinossauros brasileiros eram muito maiores do que se pensava. Até então, duas espécies desses animais eram conhecidas para a região da Chapada do Araripe, no Nordeste do País - Angaturama e Irritator, com comprimento estimado de 6 a 8 metros. De acordo com os pesquisadores, a novo fóssil pertence a um animal com cerca de 10 metros e que ainda estava em crescimento. "Isso indica que esses organismos poderiam atingir tamanhos maiores do que se imaginava, o que os tornaria predadores de topo das lagoas cretácicas do Ceará", aponta Ghilardi.

Evidências reunidas no estudo indicam que, além de comer peixes e outras espécies aquáticas, os gigantes espinossauros também predavam pterossauros, um tipo de réptil alado muito comum durante o Período Cretáceo na região cearense. Os pesquisadores contam, inclusive, que em um artigo de 2004 foi descrito um dente de espinossauro cravado em uma vértebra de um pterossauro do Ceará, o que reforça as evidências do estudo atual.

Para a pós-doutoranda da UFSCar, algumas perguntas ainda precisam ser respondidas para ampliar a compreensão da evolução desses animais. "Precisamos saber, por exemplo, se essas adaptações ao estilo de vida semiaquático nos espinossauros estão relacionadas à formação de um grande sistema de lagos entre a América do Sul e a África durante o início da abertura do que hoje é o Oceano Atlântico, e se a evolução de tamanhos gigantes nesses animais tem associação com a adoção do hábito de vida semiaquático, de forma similar ao que ocorreu com as baleias", afirma Ghilardi.

Para Marcelo Adorna Fernandes, docente do DEBE da UFSCar, coordenador do LPP e que também integrou a equipe da pesquisa, um importante diferencial do estudo é que, mesmo com a colaboração de cientistas estrangeiros, o trabalho foi realizado por pesquisadores brasileiros e material nacional. "Isso mostra que estamos conseguindo desenvolver pesquisas de ponta relacionadas à Paleontologia e com uma grande relevância na perspectiva internacional", destaca o docente.

Além de Aureliano, Ghilardi e Fernandes, o estudo contou com a participação de Pedro Buck, pesquisador do LPP da UFSCar, Rafael Delcourt, da Unicamp, e colaboradores da Itália, Alemanha e Tailândia. Os resultados foram publicados recentemente na revista científica Cretaceous Research, que é referência internacional na área. "A ideia é que as pesquisas e as parcerias tenham continuidade envolvendo esse grupo de organismos e que novos materiais possam elucidar os aspectos relacionados à Paleobiologia e Paleoecologia e sobre a evolução desses animais", conclui Fernandes. Mais informações podem ser obtidas no vídeo produzido pelos pesquisadores.

Saiba mais em matéria produzida também pela TV UFSCar: