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Mariana Pezzo - Publicado em 01-08-2018 16:00
Estudo resulta na primeira enzima sintética totalmente abiótica
Modelagem levou à localização e à probabilidade de cada base de DNA na superfície da nanozima (CDMF)
Modelagem levou à localização e à probabilidade de cada base de DNA na superfície da nanozima (CDMF)
Um grupo de pesquisadores envolvendo laboratórios de três países - China, Estados Unidos e Brasil - divulgou, no último dia 20, os resultados de um estudo que levou ao desenvolvimento da primeira enzima sintética totalmente abiótica, ou seja, que pode ser inteiramente produzida em laboratório por síntese química. O artigo foi publicado na revista Nature Chemistry, um dos principais periódicos da sua área, e tem entre seus autores André Farias de Moura, docente do Departamento de Química (DQ) da UFSCar, e Fellipe Mariano Colombari, Doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Química (PPGQ) da Universidade, ambos pesquisadores do Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais (CDMF), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

A pesquisa partiu de um material cerâmico bastante conhecido por suas propriedades de absorção e emissão de luz: os quantum dots (pontos quânticos) de telureto de cádmio (CdTe), partículas extremamente pequenas - no caso específico, 4,5 nanômetros - que absorvem e emitem radiação na região da luz visível. Para que o material funcionasse em sistemas biológicos, era necessário aumentar a biocompatibilidade e a afinidade das nanopartículas por biomoléculas, o que foi conseguido com o recobrimento da superfície dessas partículas com um aminoácido natural, a cisteína. O produto resultante apresentou especificidade para reações de quebra controlada de moléculas de DNA, cortando a dupla hélice de DNA sempre na mesma posição (o chamado "sítio de restrição"). Assim, produziu-se pela primeira vez uma nanozima - nanopartícula que funciona como uma enzima -, que age da mesma forma que uma endonuclease de restrição (enzima que corta o DNA) natural.

A parte experimental da pesquisa foi realizada na China (Jiangnan University) e nos Estados Unidos (University of Michigan). No Brasil, Moura e Colombari desenvolveram modelos computacionais que permitiram compreender porque a nanozima corta o DNA naquela posição específica (sequência de bases específica). Para tanto, utilizaram quantidade expressiva de recursos computacionais de alto desempenho, da própria UFSCar (Cloud@UFSCar) e do supercomputador Santos Dumont, situado no Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC).

"O estudo configura uma prova de conceito. Mostramos, experimental e computacionalmente, como pensar em uma enzima sintética de modo racional. Ou seja, o processo deixa de acontecer por tentativa e erro: se sabemos como funciona, podemos fazer modificações de modo controlado. A estratégia que desenvolvemos passa a ser um protocolo que permitirá que estudos futuros, buscando nanozimas para reações específicas, economizem tempo e dinheiro", explica Moura. "Uma aplicação mais imediata seria, por exemplo, na edição gênica. Mas, potencialmente, podemos pensar também, por exemplo, em produzir uma nanozima para atacar um fragmento de material genético de agentes patogênicos - vírus, bactérias e protozoários - escolhendo um sítio de restrição que não exista no hospedeiro - seres humanos, animais ou plantas. Com isso, teríamos como eliminar os agentes causadores de doenças afetando minimamente o doente", exemplifica o pesquisador.