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Denise Britto - Publicado em 06-08-2020 13:00
Pesquisa diferencia três novas espécies de plantas na Amazônia
Guamirim (Myrcia splendens, Myrtaceae) registrado na natureza (Foto: Francisco Farroñay/Inpa)
Guamirim (Myrcia splendens, Myrtaceae) registrado na natureza (Foto: Francisco Farroñay/Inpa)
Em parceria com a UFSCar, botânicos especialistas na família Myrtaceae - à qual pertencem, por exemplo, a pitanga, a jabuticaba e a goiaba - estudaram as populações associadas à Myrcia splendens, uma espécie muito comum de guamirim (pequeno arbusto) que ocorre tanto na Amazônia quanto em outros biomas da América tropical. A hipótese - confirmada pelo estudo - era de que o nome Myrcia splendens estava sendo aplicado para mais de uma espécie nas áreas abrangidas pelo Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (PDBFF).

"Muito se fala em espécies de plantas tropicais abundantes e amplamente distribuídas. Contudo, é preciso considerar que talvez cada uma delas seja, na verdade, um conjunto de espécies muito parecidas e difíceis de separar visualmente. É comum que a esse agrupamento seja atribuído um só nome, criando as chamadas 'espécies hiperdominantes' e subestimando a diversidade das nossas florestas", explica a professora Fiorella Fernanda Mazine Capelo, do Departamento de Ciências Ambientais (DCA-So) do Campus Sorocaba da UFSCar.

Segundo ela, a identificação correta de qualquer espécie é importante porque cada uma pode ter propriedades diferentes. "É uma etapa crítica em estudos aplicados como, por exemplo, os farmacêuticos. Se você descobre determinada propriedade em uma planta, é importante que somente exemplares dessa espécie sejam utilizados para extraí-la, pois a utilização de outra espécie, mesmo que morfologicamente parecida ou evolutivamente próxima, pode não trazer o mesmo resultado. Falando em medicamentos, utilizar plantas de outra espécie pode ter até efeitos danosos", esclarece Mazine. "No gênero Myrcia, há indícios de potencial farmacêutico em algumas espécies, como por exemplo aquelas popularmente conhecidas como pedra-ume-caá­, ainda pouco estudadas", acrescenta.

Esse tipo de pesquisa, diz Mazine, "faz parte do grande esforço por parte dos botânicos para inventariar a biodiversidade brasileira, ainda pouco conhecida em muitas regiões, inclusive na Amazônia. Ele representa um passo a mais na organização das plantas em compartimentos organizados  - que são as espécies e grupos de espécies - para que elas sejam primeiro conhecidas e, posteriormente, utilizadas em outras áreas das ciências. Ou seja, é um estudo de base, mesmo sendo multidisciplinar, que abre caminho para estudos aplicados".

Além da UFSCar, a iniciativa contou com a parceria do Laboratório de Botânica Amazônica (Labotam) do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), e foi financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) no período de 1º de novembro de 2018 a 30 de junho de 2019. Os pesquisadores estudaram tanto a morfologia externa quanto a espectroscopia das folhas na região do infravermelho-próximo, que reflete a composição interna dos tecidos e tem sido utilizada para distinguir espécies amazônicas com sucesso. "Na descrição de uma espécie nova, o botânico traz características diagnósticas, ou seja, características morfológicas que ajudam na sua correta identificação. Na Amazônia grande parte das espécies de planta ainda são desconhecidas para a ciência, portanto, antes de qualquer estudo aplicado, precisamos primeiro descrevê-las e dar nomes a elas", afirma a docente.

Resultados
Nesse trabalho, três espécies foram consideradas novas para a ciência e batizadas de Myrcia eveae, M. otocalyx e M. prismatica. As espécies novas variam de pequenas arvoretas a árvores de 18 metros de altura. Todas têm folhas simples, opostas e não apresentam látex ou resina; contudo, suas folhas têm glândulas translúcidas que podem ser vistas como pontos brilhantes se forem posicionadas contra a luz. "A diferenciação morfológica entre elas é complexa e precisa ser feita com base tanto em suas folhas quanto suas flores e frutos, que são posicionados em inflorescências ou infrutescências bastante ramificadas e com eixos longos", detalha Mazine. Além disso, o comportamento espectral das folhas - a quantidade de raios absorvida, refletida ou que atravessa o tecido vegetal - se mostrou diferente para cada espécie, reflexo das diferenças entre as substâncias dos tecidos foliares de cada uma.

À UFSCar coube a realização do experimento, feito por Paulo Henrique Gaem, então aluno do curso de Engenharia Florestal da Universidade, sob orientação de Mazine e de Alberto Vicentini, do Inpa. Em linhas gerais, as etapas para realizar esse tipo de estudo compreendem a coleta de amostras das plantas em campo, a secagem em estufa e a identificação com utilização de bibliografia especializada ou comparação com espécimes de coleções (herbário); caso não haja correspondência, é feita uma descrição da espécie nova, a partir de características morfológicas, e comparação com outras semelhantes e evolutivamente próximas. Nas etapas seguintes, são realizadas leituras de absorbância das folhas no espectrofotômetro; e comparados estatisticamente os espectros para verificar semelhanças ou diferenças entre espécies.

O artigo "Three new Amazonian species of Myrcia sect. Myrcia (Myrtaceae) based on morphology and near-infrared spectroscopy", com os resultados da pesquisa, foi publicado no periódico internacional Phytotaxa e pode ser acessado no link https://bit.ly/31q70fc. Mais informações pelo e-mail do pesquisador Paulo Henrique Gaem (phgaem@gmail.com).