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Mariana Pezzo - Publicado em 30-04-2021 10:50
Mudança no luto na pandemia gera angústia em profissionais de Saúde
Participaram profissionais de Saúde de diferentes regiões brasileiras (Foto: rawpixel.com / Freepik)
Participaram profissionais de Saúde de diferentes regiões brasileiras (Foto: rawpixel.com / Freepik)
Sobrecarga de trabalho, medo da contaminação e sofrimento pelo grande número de vidas perdidas são características bastante conhecidas da vida de profissionais de Saúde durante a pandemia de Covid-19. Um levantamento liderado por pesquisadora da UFSCar evidenciou mais um aspecto importante: angústia e sentimento de perda de qualidade de vida diante das mudanças e limitações nos processos de morte e morrer e na experiência de luto.

A pesquisa colheu informações junto a 102 profissionais de Saúde no Brasil - das áreas de Medicina, Fisioterapia e Enfermagem -, por meio da aplicação de questionários. O estudo orientou os profissionais a selecionarem uma morte recente - ocorrida entre março e outubro de 2020 - e perguntou como se sentiram diante dessa perda. Os resultados evidenciaram, dentre outros aspectos, grande prevalência do sentimento de angústia e, também, de perda de qualidade de vida.

"A morte e o luto são processos naturais. O problema é que a pandemia chegou com mudanças radicais, como a restrição e até proibição de visitas hospitalares, bem como velórios com poucas pessoas e tempo reduzido, por exemplo. Familiares e profissionais estão experimentando outros tipos de experiências, como despedidas via tablet ou celular, mas a adaptação é difícil e não houve tempo para ela, foi tudo muito rápido", avalia Esther Angélica Luiz Ferreira, docente do Departamento de Medicina (DMed) da UFSCar que coordenou o levantamento.

Considerando justamente a naturalidade com que o processo de morte e luto deveria ser vivido em situações regulares, a pesquisadora relata preocupação frente a mais de 70% dos profissionais relatando angústia diante da perda de pacientes. "A morte de um paciente também significa luto para o profissional e, se não é vivido de maneira adequada, temos um desequilíbrio que pode acarretar problemas de saúde física e mental", registra Ferreira.

Além da questão da angústia, apenas 35% dos participantes relataram qualidade de vida satisfatória no momento. "Um fator importante foi a possibilidade de oferecer apoio adequado às famílias. Ter tido tempo de conversar com familiares foi reiteradamente associado a maior qualidade de vida", conta Ferreira.

"Encontramos, portanto, sinais muito fortes de um desequilíbrio, de que as coisas precisam ser modificadas de alguma forma. O cuidado à saúde, física e mental, desses profissionais, precisa ser considerado pelos sistemas em que estão inseridos. Eles podem adoecer muito rapidamente, e leitos e equipamentos sem profissionais não permitem, inclusive, o enfrentamento da própria pandemia", avalia a pesquisadora.

Além dos resultados relativos ao sentimento de angústia e à qualidade de vida, o levantamento reiterou o impacto da pandemia sobre os sistemas de Saúde e seus profissionais, já que, das mortes relatadas pelos participantes, mais de 70% foram devidas à Covid-19 (sendo 56,4% em UTI e 17% em enfermarias).

A pesquisa envolveu, além de Ferreira, a também docente do DMed Cristina Ortiz Sobrinho Valete, junto a parceiros da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e de instituições de assistência em Saúde em Ribeirão Preto e Barretos. O estudo integra uma articulação internacional liderada por Agnes van der Heide, da Universidade Erasmus, na Holanda, que coordena o projeto iLive, sobre cuidados de final de vida e experiência de morte e morrer. A colaboração envolve a coleta de dados em mais de 20 países.

Os resultados estão sendo sistematizados e analisados para encaminhamento à publicação e também inspiraram atividades de extensão, dentre elas a proposta de um grupo de apoio ao luto promovido pela Liga Acadêmica de Terapia Antálgica e Cuidados Paliativos (LATACP) do curso de Medicina da UFSCar, orientada por Ferreira. "Como universidade, vendo esses resultados, nós precisamos agir", afirma a pesquisadora.

O relato da pesquisa feito pela própria docente da UFSCar em vídeo pode ser conferido neste episódio de Ciência contra a Covid, série produzida pelo Laboratório Aberto de Interatividade para a Disseminação do Conhecimento Científico e Tecnológico (LAbI) da UFSCar.

Informações sobre as atividades da LATACP podem ser acompanhadas na página da Liga no Facebook.