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Gisele Bicaletto - Publicado em 10-07-2017 13:00
Pesquisa alerta para fragilidade em idosos moradores de São Carlos
Pesquisadores e participantes reunidos em evento sobre os resultados da pesquisa.Foto: Pesquisadores
Pesquisadores e participantes reunidos em evento sobre os resultados da pesquisa.Foto: Pesquisadores
O aumento da expectativa de vida é uma realidade mundial. No Brasil, a expectativa de vida está em torno dos 76 anos, o que representa um aumento de 30 anos se levarmos em consideração o que era previsto na década de 1940. Mas, viver mais tem significado viver melhor? A saúde, as condições cognitivas, os apoios emocional e social aos idosos estão sendo suficientes para garantir a qualidade de vida dessa população?

Para tentar responder a essas e outras perguntas, uma pesquisa realizada no Departamento de Gerontologia (DGero) da UFSCar teve como objetivo avaliar a fragilidade de idosos em regiões de alta vulnerabilidade. O local escolhido para o estudo foi o bairro Cidade Aracy, em São Carlos, periferia carente da cidade, de acordo com o Índice Paulista de Vulnerabilidade Social (IPVS). O levantamento foi feito com todos os idosos cadastrados nas cinco Unidades de Saúde da Família (USFs), coordenadas pelo Núcleo de Apoio à Saúde da Família (Nasf) do bairro. A pesquisa "Ferramenta para monitoramento de níveis de fragilidade e fatores associados em idosos atendidos pelo Nasf no Município de São Carlos" é conduzida por Marisa Silvana Zazzetta, professora do DGero da UFSCar, e contou com a participação de outros docentes do Departamento e de alunos de graduação e pós-graduação da Universidade. O estudo foi contemplado em dois editais do Ministério da Saúde (vigências 2014-2015 e 2016-2018), com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), no âmbito do Programa de Pesquisa para o Sistema Único de Saúde (PPSUS).

A primeira parte do estudo foi feita com 301 idosos por meio de questionários quantitativos e entrevistas domiciliares que avaliaram a fragilidade em diferentes formas, analisando aspectos cognitivos (memória), sintomas depressivos, condições clínicas, dores e a qualidade de vida no geral. Os idosos também passaram por coleta de sangue nas USFs. 

De acordo com a coordenadora da pesquisa, há um consenso internacional que descreve a fragilidade como uma situação na qual o indivíduo está em estado vulnerável e em risco para o desenvolvimento de dependência e com diminuição de reservas de energia e resistência reduzida a estressores, indicando declínio progressivo de condições físicas, cognitvas e relacionadas ao convívio social. Zazzetta acrescenta que, do ponto de vista clínico, a fragilidade está embasada na redução de massa muscular, um estado inflamatório crônico que, somado a fatores extrínsecos como comorbidades, redução da ingestão alimentar, inatividade física, dentre outros, levaria o idoso a ingressar em um círculo vicioso que provoca o declínio acumulativo dos sistemas fisiológicos.

A partir do levantamento constatou-se que, do total de idosos avaliados, 9% foram considerados não frágeis; cerca de 30% são frágeis e pouco mais de 60% estão em estado pré-frágil. "Esse índice de pré-fragilidade é muito alto e indica que, se intervenções não forem realizadas a favor desses idosos, eles se tornarão frágeis e, certamente, necessitarão ainda mais do sistema público de saúde", afirma Zazzetta. O que também chamou a atenção dos pesquisadores foi a faixa etária dos idosos classificados como pré-frágeis, que ficou entre 65 e 69 anos. "É uma faixa etária baixa, principalmente se compararmos com os países desenvolvidos e com o que a literatura apresenta. Como temos um aumento da expectativa de vida, isso indica que essas pessoas ficarão ainda mais tempo no estado de fragilidade", alerta a pesquisadora. Outro dado de destaque mostra que 70% dos idosos avaliados estão inativos fisicamente, o que, segundo a pesquisadora, contribui para o estabelecimento do quadro de fragilidade. 

Entre os outros resultados encontrados estão: 32% dos idosos apresentam problemas de cognição e 30% têm sintomas depressivos. No que se refere ao apoio social, a professora da UFSCar afirma que a maioria dos idosos garantiu ter apoio familiar e de pessoas mais próximas, mas que há uma alta incidência de idosos que têm dificuldade para acessar informações e orientações em busca de atendimento em saúde, principalmente.

Diante dos dados revelados, Marisa Zazzetta aponta que é necessário reestruturar o modelo de atenção em saúde para os idosos, projetando tratamentos que sejam de longa duração. "É preciso mudar o modelo de atenção já que as pessoas estão vivendo por mais tempo. Organizar e realizar mais atendimentos domiciliares, melhorar o atendimento em estabelecimentos de média e alta complexidades, promover acompanhamento, monitoramento e reavaliação constantes desse público já que o quadro de saúde nessa faixa etária se altera rapidamente, além de melhorar o manejo da informação para que ela seja mais acessível são algumas das ações que podem qualificar o cuidado aos idosos", indica a docente. Além disso, Zazzetta acrescenta que o atendimento de longa duração para os idosos envolve um trabalho multiprofissional, multidimensional e intersetorial, não só com os serviços de saúde, mas também em aparelhos de cultura, lazer, serviço social e esporte, como já acontece em países desenvolvidos. "O envelhecimento é irreversível, mas a fragilidade pode ser revertida por meio de um conjunto de ações que atendam o idoso de maneira ampliada e constante", garante a pesquisadora.

Os resultados do trabalho foram apresentados para o público participante e para representantes do Nasf em evento realizado em junho, no bairro Cidade Aracy. Além dessa devolutiva para a população, o grupo de pesquisadores também entregou para as USFs um relatório completo da pesquisa e laudos detalhados dos idosos que foram identificados como frágeis. "Com todos esses dados reunidos podemos ajudar as unidades a pensarem em ações e estratégias para melhor atender esse público. A fragilidade é um problema de saúde pública e poder ter acesso a um panorama detalhado da população atendida por essas unidades é uma ferramenta importante para tomadas de decisões", afirma Zazzetta. 

Paralelo à realização do estudo, o grupo também elaborou uma ferramenta computacional para que as equipes de saúde possam avaliar a fragilidade do idoso durante as visitas domiciliares, facilitando o rastreamento da fragilidade nas regiões atendidas pelas unidades de saúde. A ferramenta é baseada em evidência científica, pode ser usada em aparelhos celulares e tablets e já está sendo testada. 

Além dos benefícios para as equipes de saúde, a professora também reconhece o papel fundamental da pesquisa para a formação dos alunos envolvidos. "A experiência dos estudantes na vivência com os idosos, poder conhecer a realidade deles, perceber a fragilidade da velhice de perto, em condições de vulnerabilidade social, é fantástica e não teria como passá-la aos alunos em atividades na sala de aula", destaca a coordenadora.

Próximos passos
O segundo momento do trabalho já foi iniciado e a previsão é que no mês de outubro o grupo faça a reavaliação de todos os idosos pesquisados para garantir o monitoramento da saúde dessa população; essa etapa vai usar o novo sistema computacional comparando-o com o protocolo tradicional (questionário e entrevista). No próximo mês de agosto, haverá um treinamento detalhado com os agentes da saúde para o uso da ferramenta. O treinamento será realizado na Unidade de Simulação da Prática Profissional em Saúde (USPPS) da UFSCar com simulações reais sobre abordagem dos idosos, como lidar com os pacientes acamados, com deficiências e também com os cuidadores. "Será um treinamento detalhado não só de como usar a ferramenta no celular ou no tablet, mas de como abordar os idosos em diferentes condições de saúde", conclui a pesquisadora.

Projeto aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFSCar (CAAE: 36167914.9.0000.5504).